O pequeno espaço de exposições no 1º andar do Museu da Vista Alegre, em Ílhavo, dedicado ao trabalho de Serge Bloch, está completamente preenchido por malas de cor vermelha. Num aparato de exposição um tanto superlativo, quase como se a moldura estivesse a competir com o próprio quadro, vemos as malas abertas e pousadas sobre armações metálicas. Sob a iluminação forte, as malas - que parecem de viagem - estão como que à espera de alguém que reclame o conteúdo composto por exemplares de livros e ilustrações originais do autor. Nas paredes da sala estão ainda trabalhos que tiveram outro destino que não a publicação em livro: posters institucionais ou originais maiores de comissões editoriais. De guarda ao espólio estão dois totens feitos com caixas de papelão que quase tocam o teto. Nas aborrecidas superfícies castanhas e pardas destas caixas estão figuras desconjuntadas pintadas a negro. Os totens impõem um respeito solene a quem entra na sala, como se o visitante viesse importunar uma conversa entre eles e as malas.
Nascido em 1956, na região da Alsácia, em França, Serge Bloch não tinha qualquer ideia acerca do que queria fazer com a sua vida depois de terminado o liceu. Trabalhou em vários ofícios desde a construção civil até às linhas de montagem fabris, passando pela pintura de setas em estradas, execução de furos em indústria pesada ou ainda, despejar baldes de sangue em salas de operação cirúrgica. Dedica-se à ilustração depois de descobrir que existe realmente uma profissão designada por... ilustrador! Frequenta a Escola Superior de Artes Decorativas de Estrasburgo e a partir daí a sua carreira começa a progredir quando ingressa em vários estúdios de design e jornais ao mesmo tempo que executa trabalhos em regime freelance. Além das publicações infantis, o trabalho editorial e de comunicação de Serge Bloch pode ser encontrado em jornais como The Washington Post, The Wall Street Journal, The New York Times, The Boston Globe, The Los Angeles Times, etc.
Entre os exemplares dos livros presentes estão: La Grande Histoire d’un Petit Trait, história definitivamente autobiográfica, com a referência às influências e às motivações da vontade de produzir um traço; Le Collectionneur, título sugestivo para um conteúdo que vai também buscar muita da sua substância à vida do autor; L’Ennemi, que conta o drama humano individual dentro do absurdo da guerra; Poémes et Chansons de Jacques Prévert e O Tigre na Rua (este editado em português), um pretexto para deixar um belo traço de tinta-da-china entrelaçar-se nas letras da poesia.
O trabalho de Serge Bloch parece usurpar por completo a noção de criatividade e originalidade (no sentido mais convencional do termo) não deixando nada para quem quer que venha a seguir. O seu processo criativo reduz elaboradas noções - leia-se a vida - às suas formas mais elementares. Parece que a partir dos desenhos deste autor só se podem construir coisas complexas para representar mais coisas complexas. Com isto, este ilustrador apela justamente à nossa capacidade de identificar uma ideia, um conceito ou uma noção a partir de um mínimo de elementos. E apercebemo-nos de que o fez bem quando imediatamente identificamos num simples traço contorcido no papel um qualquer objeto ou cena do quotidiano. Bem entendido, talvez se possa dizer o mesmo de tantos outros autores. No entanto, Serge Bloch ousa não se limitar a uma atitude purista e recorre a tudo o que está à mão (graficamente, claro está) para expelir urgentemente as ideias no papel.
Na escola primária a criança que desenha quer evoluir em direção às formas mais complexas, para melhor representar o real, para melhor representar o mundo que a rodeia. Serge Bloch, no entanto, não se coíbe de voltar livremente à escola primária para nos mostrar o que entretanto se perdeu com essa ambição.
Mais informações AQUI.
Para saber mais sobre Serge Bloch: www.sergebloch.net
Nota: fotografias por Rogério Guimarães.
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