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Oblíquo, 1976. Tinta acrílica sobre tela |
O Museu de Arte Contemporânea de Serralves tem patente uma antologia de pinturas e desenhos de Giorgio Griffa. Apresentado pela primeira vez em Portugal, a exposição dá a conhecer os trabalhos deste artista desde 1969 até 2015.
A sua obra inscreve-se no grupo de trabalhos cujos autores procuraram a natureza elementar das coisas e que para concretizar esse processo basearam a sua prática artística nas utopias do reencontro com uma inocência perdida. Para Giorgio Griffa, o processo de desmontar a pintura nos seus elementos constituintes é um método de aprofundar o conhecimento. Ele desmonta a pintura nos seus componentes essenciais até chegar aos substratos inferiores, chegando a cruzar os elementos da pintura com os elementos do desenho. De certo modo, esta metodologia pode ser englobada no desejo vanguardista dos anos 60 (altura em que Griffa começa o seu trabalho) de querer redefinir as disciplinas e as práticas artísticas. No entanto, Giorgio Griffa esquiva-se a esta e outras correntes dessa época (como a da
arte povera com a qual foi bastante conotado) não se classificando em nenhuma, mas indo beber a todas.
Com assumida ênfase gestual e performativa, Griffa aplica as cores de forma bruta sobre a tela não preparada nem engradada que depois é exposta igualmente sem moldura nem enquadramento físico. As dimensões dos quadros (panos...) variam, podendo apenas assumir configurações de conjunto para facilitar alguma interpretação (p.ex., um pano que foi pintado como um todo e depois cortado em secções, expondo-se estas lado a lado para sugerir uma continuidade). As cores empregues, em tintas acrílicas, aguareladas, ganham maior alegria à medida que o seu trabalho evolui ao longo das décadas. Começam por ser aplicadas como que em monossílabos sobre o pano em bruto, como se se estivesse a ensinar um abecedário muito próprio, em que as cores indicam a entoação. Surgem os magentas, os azuis e os encarnados, bastante debilitados tanto pela origem como pelo passar do tempo. Mais tardiamente, já nas últimas obras, as formas tornam-se mais complexas e aparecem os amarelos vivos, os vermelhos vivos, os laranjas e os roxos. No entanto, o que se destaca no trabalho de Griffa é de facto o gesto com que as cores são aplicadas. Vêem-se (traços) oblíquos, pontilhados grosseiros mas uniformes, arabescos e, posteriormente, números e letras. Muitas das telas estão preenchidas com pintura predominantemente à esquerda, como se tivessem começado a ser executados aí evoluindo depois para a direita. É como se fosse uma ténue alusão inconsciente aos signos da escrita. A reforçar esta alusão, observa-se que em muitos casos, na progressão da matéria pictórica da esquerda para a direita a parte mais à direita da tela ou a parte mais em baixo desta é deixada livre. Além de reforçar a reminiscência da prática da escrita, este modo de fazer progredir a matéria pictórica na tela é como se indicasse o caráter limitado da cognição humano e da busca por conhecimento: é uma demanda sempre incompleta. É também a resposta formal do artista a um desejo de imediatismo e um interesse pela dimensão performativa da pintura, ambos inspirados pela filosofia zen.
O que se destaca no trabalho de Griffa é a semelhança das suas pinturas com a prática do desenho na condição de apoio ao pensamento. Aliás, na exposição estão também desenhos em papel que são como que um elo de transição entre a ideia e a pintura em vez de constituírem esboços no sentido estrito do termo . Nos desenhos são introduzidas ideias e noções que depois são exploradas nas pinturas de maior formato. As pinturas continuam, por isso, o trabalho iniciado no desenho em vez de se suportarem nele, o que contribui em certa medida para uma decomposição nos elementos da pintura que conflui na decomposição em elementos de desenho. Além disso, os desenhos são aquilo que ele chama de “laboratório íntimo” onde pesquisa o depósito primordial da memória que são os signos .
Na sua entrevista ao Museu de Arte Contemporânea de Serralves, Griffa admite que o seu trabalho é um desenvolvimento de pensamento antes de ser um desenvolvimento formal. “Eu não retrato nada, eu pinto” são as palavras do próprio Giorgio Griffa. Para ele a pintura é um problema de substância, de conhecimento de fundo. E a confirmá-lo estão os seus trabalhos sobre a proporção áurea, numa forma que tem o seu quê de ingénuo (Griffa é um artista, não um cientista...). Porém, a decomposição da pintura nos seus elementos não serve apenas a procura de um conhecimento de fundo. Ela é, segundo o artista, um processo de procura de conhecimento profundo e coletivo. O seu método procura a memória da pintura imanente nos signos de há 30 ou 40 mil anos atrás e que está na memória de todos. “A inteligência da matéria” é uma expressão usada por Griffa para introduzir a noção de que mesmo ele próprio faz parte de uma condição global de produção artística. Ele cria a obra de arte não por sua vontade mas sim no seguimento de um diálogo com o substrato da obra seja ele a tela da pintura, o papel do desenho ou a pedra da escultura.
Para não perder o rumo no desenvolvimento da sua pesquisa, Giorgio Griffa socorre-se de referências: o seu ciclo de trabalhos do início dos anos 80 “Alter Ego” é um misto de dedicatórias, homenagens e furtos dos trabalhos de Matisse, Klein, Beuys, Klee, Tintoretto, Paolo Uccello, Piero d’Orazio, Anselmo e Agnes Martin. Griffa luta contra a “jaula formal” (outra expressão sua) que em contrapartida e paradoxalmente lhe dá uma grande liberdade para aprofundar a sua busca de conhecimento, como se fosse “uma segunda juventude”.
A bipolaridade
pintura-desenho na obra de Giorgio Griffa desvanece-se à medida que o seu trabalho evolui. As suas considerações sobre o afastamento da “jaula formal” levam-no na direção de um dos fundamentos da prática do desenho: o encontro entre pensamento, gesto e observação. O que torna interessante o trabalho deste artista é justamente esta condição de procura, de pesquisa, transposta para uma prática artística que não tem ambição de ter outra substância que não a forma. Griffa tenta mostrar que também à pintura cabe uma dimensão de procura pelo conhecimento. Ele chama para a pintura propriedades que - mais por tradição do que por conceito, diga-se - estão condicionadas à prática do desenho.
A exposição estará patente até ao dia 4 de setembro de 2016. Mais informações em
Serralves.
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Linhas Horizontais, 1973. Tinta acrílica sobre tela. |
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À Esquerda, 1969. Tinta acrílica sobre tela. |
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Três Linhas e um Arabesco n.º 64, 1991. Têmpera e pastel sobre papel. |
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Três Linhas e um Arabesco n.º 30, 1991. Têmpera e pastel sobre papel. |
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Cânone Áureo 820, 2014. aguarela sobre papel. |
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Cânone Áureo 803, 2015. aguarela sobre papel. |
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Papel, 1989. Lápis, pastel e tinta-da-china sobre papel. |
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Papel, 1968. Pastel sobre papel. |
Fotografias por Rogério Guimarães.
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